segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Em tudo se esconde a catarse, que é um passo para a felicidade e outro, maior, para o destino. Nenhuma beleza que fácil se entregue
nem a luz visível demais é aquela que esperamos, mas não raro aceitamos
a migalha mesmo assim. Nada temos a poupar porque nada temos e nada também a perder. O amanhã desmentirá o hoje e o silvo das seis
irá contrariar o ambiente em que o silvo das cinco se fez.

Há uma luta de amor em planos distintos, nos corpos unificados ou naqueles que não se tocaram, desmascarados uns e outros pelo mesmo beijo. Porque o amor se aprende mais arduamente que qualquer outra coisa. É o mistério maior, estar plenamente com o outro e aceitar antes
estar plenamente só. Os corpos falam e quando não há
corpos há toda uma diversidade de partilhas sem palavras.
Amar é estar só, porque nada se espera, porque nada se impõe,
e mesmo a presença ansiada pode se manter num longe eterno.
Se amo, concedo esse privilégio de nada exigir.
A silhueta é vária e o rosto renasce de cada nuance
onde será a vítima imolada, no falso altar erguido pela distância.

O amor em que se tenta proteger-se de si mesmo, melhor não
sentir. Ou o que ama a si mesmo na pessoa amada. De incenso
embriaga-se a amante que oferece o seio ao moribundo. Essa
há de ser a última vítima? Porque o amor não é se dar, nem
deixar de ir aonde ia porque há alguém que te espera
noutra parte. Ou haverá uma poça de sangue no assoalho
e um amante no ponto em que o ônibus não parou. Será assim a mulher
mais do que ela mesma, se unirá à outra, apaixonada,
triunfante, no limite a que escapamos com a velhice,
junto ao fogão do ateliê.

Não pode haver obscuridade na harmonia, nem dependência
na união, onde não houve silêncio não haverá palavra
amorosa, ao fugir da solidão do outro não saio de mim
e todavia tampouco permaneço. Do limbo desse relacionamento
que acaba de ser tantas vezes a própria vida talvez se escape
na terra plana, igual, sem montes nem imponência, sem
mortos - disse a mim mesmo - esquecerei e subirei
até não exista paisagem, nem corpos, nem palavras,
e só pessoas moram na casa onde a diferença
permance e o silêncio seja mais que intervalo
entre o que de apodrecido se diz na normalidade.

Ao conjugar o verbo das cavernas e buscar a luz,
acha-se o útero. Onde a paisagem não depende

mais de nós, fazemos parte dela. Somos a palavra
e o eco.
E aí, nessa distância quieta, quem sabe o amor.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Blog EntryUm quarto. Uma noite sábado.Jan 24, '09 10:49 PM
for everyone
Ao contrário do dia, o movimento da luz se origina de dentro. A caneta no papel, a sombra que se movimenta, o efeito das hélices do ventilador no teto, o reflexo do abajur no monitor apagado. A luz sempre carrega promessas, um estranho tipo de promessa que se cumpre simplesmente ao existir, sonho que não precisa se realizar. Que enquanto sonho mesmo consiste na realidade. Há pessoas ao redor do mundo que me conhecem. Numa conta rápida, há mais pessoas da época sem internet. Me pergunto como seria minha peregrinação pela Argentina, meu relento europeu se internet existisse. Os frutos. Quais seriam. E esses frutos. Porque súbito estou falando de agora e de vinte e poucos anos atrás. Estou falando de Isabel dizendo Vem quando eu morria. Não importa o que vão pensar, disse-me. Vem. Eu fui. Estação Restauradores. Pensaram. Estou aqui graças a essa generosidade. Desejo que ela esteja bem e se lembre daqueles dias como uma coisa boa. O ventilador. Me leva me leva me leva. Seu ruído são as engrenagens do tempo e os anjos e a maquinaria da noite, as melhores cabeças das gerações morrendo loucos mas nunca inócuos, solitários mas não sozinhos. Partem, sempre partem mas tanto deixam de si mesmos. Não morrerei, não já. É questão de acreditar. Ta mais fresco agora mas pensando bem tanto tempo e eu nem tinha lembrado do ventilador, sinal de que já estava. Estou falando de Maria, do Brasil, dizendo pelo telefone Fica firme, vai dar tudo certo, nos poucos minutos do ultimo cartão (que na época já era cartão, embora aqui ainda fosse ficha). E bastava pra acalmar a dor. A solidão mudava de casa, passava de um não ter um lugar e estar na rua, para um não ter uma casa mas ter uma casa em alguma parte, e a mudança daquele banco de praça para um gabinete de trabalho, de um trabalho que ainda hoje rende frutos. E ao lembrar a luz, aquela que a árvore quebrava, vinda do poste sobre mim, amanhã será a do sol que me acordará na cama. Descerá por meu rosto em obras, mudará as nuances de meu despertar, aquecerá meu peito, trará os primeiros ruídos da rua agora distante, trará algum alívio para minhas pernas. Hoje chegou a fazer sol depois de tanta chuva. Tomara que manhã. Um quarto. Uma manhã de domingo. Deixarei as sombras na parede (que só existem por causa da luz), deixarei a mim mesmo na cama e sairei, o calçadão fechado para veículos. Irei, só e me bastando, ao encontro da luz.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Longe de ser o melhor livro de Rilke, Cartas a um jovem poeta é um dos melhores livros jamais escritos. Não há contradição. Cartas em termos de vida. Literariamente é claro Elegias de Duino e até a Canção de Amor e Morte são superiores. E aqui outro aspecto
fundamental de Rilke. Poucas vezes artista e vida se encontraram com tamanha harmonia. Não há palavra em seus poemas que esteja fora dele. Palavras de carne, sangue. Feitas de solidão e ao mesmo tempo de disponibilidade. Com poucos viveu mas para tantos. Dentre eles o jovem poeta Franz Kapus. O reconhecido Rilke não tinha intermediários mesmo para um fã que lhe pedia conselhos. E foi além dando-os à toda a raça humana ligada à arte, à literatura especificamente. Nas cartas, o poder de se chegar ao sonho sem se iludir. De se conviver bem com a próppria irreversível solidão.

Não o melhor porque o off no principio e fim destoa do resto. Mas que resto. Que beleza de diálogos, que precisão de detalhes, que trilha sonora, que Tim Robbins, que Sara Polley e que Javier Câmara. Pra mim fica o título. A batalha de sempre entre o falar e o fazer, entre o dizer que sente e o sentir, entre o silêncio e a palavra como formas semelhantes de expressão
-ou não serão formas de expressão.
Acredito que esteja
se aproximando o momento. Depois que as luzes da casa se apagaram, pude ver claramente. Vou acreditar. Essas coisas acontecem., como amor à primeira vista, premonição, coincidência. Mas a questão é quase outra. Quando acontecer, estarei preparado? sobreviverá a autenticidade da arte a seu comércio? Por algum tempo sem idéia das horas, gradativamente mergulhei nas profundezas daquela escuridão.Erguendo de súbito a cabeça, saí dos pensamentos para a contemplação da circunferência incandescente que surgia, um gesto orgulhoso do amanhecer em contraste com uma homem mais e mais humilhado, doente, melancólico. Sonolência mórbida. Peito oprimido. Os lados da cabeça revezam em aura na disputa do lugar em que deverei sofrer a crise diária de enxaqueca. A natureza ao redor, em sua eflorescência, mostra-se indiferente aos males dos homens. La fora, as pessoas caminham indolentes pelo calor. Pela janela posso ouvir.